14 outubro 2014

Platônico...


"...De olhar vendido te vendo... "

Lá estava ela novamente. Todos os dias, na mesma hora. Lá estava ela, linda como sempre. Quanto a mim, conseguia apenas passar em frente a sua janela da forma mais lenta possível, para absorver ao máximo sua imagem, a forma que seus longos cachos castanhos lhe caíam sobre os ombros ou como ela os domara com uma fita combinando com a roupa. A blusa que lhe marcava o decote ou as mangas recatadas. E eu não me importava com nada disso. A melhor parte de tudo o que via, eram seus lábios e como sempre estavam adornando um sorriso. Não apenas um sorriso, o sorriso mais lindo de todos, como se apenas ele pudesse devolver a alegria do universo. Talvez isso fosse um exagero do meu coração apaixonado, mas de que importava? Era um devaneio que eu guardaria para sempre comigo.

Um segredo que jamais será repetido em voz alta, por quê? Por que seu coração já tem um dono. Às vezes eu tinha a infelicidade de vê-lo chegar sorrateiro por trás dela e lhe tapar os olhos. Doía-me o coração ao ver os sorrisos da minha morena, sendo causados por outro. Minha morena... Minha morena... Desde quando posso classificá-la dessa forma? Talvez apenas na minha mente, onde também residem os devaneios de que seria eu no lugar dele, que seria eu a lhe tocaria o rosto daquela forma suave, lhe abraçaria e sentiria o cheiro dos seus cabelos, me perderia ao sentir a pele suave de sua nuca, seu rosto e por fim seus lábios. No fim tudo não passa de devaneios e sonhos de um amor platônico.

Longos são os suspiros e os sonhos e curtos os momentos junto a ela. Outra manhã e lá estava eu, abrindo a porta da loja e ao menor som do outro lado da rua, como um bobo virava não só o rosto, mas o corpo inteiro. A visão que deveria ser gratificante tornou-se um tormento ao ver lágrimas perderem-se em seus lábios descoloridos. Por um momento senti sua dor e sem pensar, meus passos levaram uma das flores do jardim ao alcance das minhas mãos e em seguida até a frente da sua janela. O gesto simples conseguiu pelo menos lhe tirar um breve sorriso antes que ela entrasse e me privasse de sua imagem. Não demorou para as fofoqueiras do bairro entrarem na loja e começarem a falar sobre a briga da noite e como o meu rival no amor tinha ido embora com uma ninfeta. Ninfeta. Impossível não rir com a palavra que usaram para chamar a filha do dono do mercado.

Uma parte de mim sentia-se culpada pela outra que estava ligeiramente contente com a informação. Nos dias seguintes arriscava um sorriso, um aceno, outra flor. Ganhei alguns sorrisos em troca. Nas semanas seguintes eu ganhei sorrisos e conversas, descobri por acidente seu aniversário e sem jeito te dei aquele vestido que por tanto tempo você admirou na vitrine. A visão da manhã seguinte me deixou com a boca aberta por vários segundos e só fui perceber quando o toque de sua mão sob meu queixo o colocou no lugar. Aquele rápido toque dos seus lábios sobre os meus, uma forma de agradecimento você disse, mas para mim, eu que estava sendo presenteado. Foi com satisfação que notei o brilho voltar aos olhos dela e o sorriso da minha morena finalmente me pertencendo.




Atenção: Essa crônica faz parte do meu projeto Aquela Música que é composto por crônicas inspiradas em músicas. -Platônico- foi escrita inspirada na música Vendo à Vista do Alexandre Nero.

03 junho 2014

Crônica Urbana II - O Metrô



Algumas pessoas da região metropolitana acabam aderindo ao uso desse meio de transporte. Seja por opção ou por não ter outra opção. A tarefa é sempre árdua e a viagem, uma aventura. Ela começa já na hora de comprar o bilhete: ou a fila vai estar gigantesca ou você vai ter a sorte de chegar pouco antes da multidão que brota do chão. O impressionante é que, não importa a quantidade de plaquinhas e pedidos educados e áudios e qualquer outro artifício que seja usado, ninguém vai comprar o bilhete com dinheiro trocado. E se você for essa pessoa, pode ter a certeza de voltar com o bolso cheio de moedas, fazendo barulho maior que mendigo sacudindo latinha de esmola e de brinde ainda aguentar a cara feia do atendente.

Bilhete na mão? Hora de passar a catraca. Cuidado com ela! Existem três opções: ficar com a coxa roxa, a bunda roxa ou gira-la na velocidade de uma tartaruga. Passar por ela é quase como entrar em um barco e remar contra a maré, principalmente se chegou algum metrô e as pessoas estão saindo da estação. A sensação é de estar tranquilamente, boiando no mar e de repente um cardume de sardinhas te atropela. Tente não esbarrar nas pessoas. Dez pontos ao desviar de um adulto, 50 ao desviar de criança.

Nas estações com terminais integrados a situação pode ser ainda pior. O cardume de ex-sardinhas podem adquirir tendências violentas ao galgar seu lugar na fila do ônibus. Fique fora do seu caminho ou pode ganhar belos hematomas. Mas um longo caminho ainda te separa da tão esperada viagem. Literalmente longo, as catracas nunca ficam próximas da área de embarque e lá vai você andando e desviando das pessoas até finalmente chegar. Sabe a linha amarela? Você vai notar que ninguém obedece e cada quadradinho da cerâmica é disputado a esbarrão e cutucões discretos ~ as vezes nem tão discretos assim.

As pessoas ficam por ali, andando, conversando, desejando bom dia ou entretidas com seus aparatos tecnológicos. Tudo em certa paz até o indicador luminoso mostrar o tempo para o próximo metrô. Enquanto estiver acima de 5 minutos pode ficar tranquilo, nos 3 minutos as pessoas começam a se movimentar, falta 1 minuto? Proteja-se! As pessoas irão se estapear para ficar o mais próximo possível do pequeno espaço entre o embarque e o metrô. Espaço esse que pode ser reduzido em até 10 centímetros. Aqueles milésimos de segundos para as portas abrirem são um martírio. Cada um que tente acotovelar o colega do lado pra chegar mais perto do centro da porta.

Existem setas indicativas: para embarcar, as pessoas devem ficar do lado direito deixando a área da esquerda livre para o desembarque. Acha que funciona? Tanto quanto a linha amarela. Na dúvida todo mundo fica no meio e quando a porta abre, é melhor não da bobeira. Cada lugar é disputado com bolsas, pernas e cotovelos. Conseguiu sentar? Agradeça e encolha-se no seu cantinho para não ser esmagado pelas demais pessoas. Não conseguiu uma vaga? É melhor procurar um lugar para se segurar e firmar os pés no chão. Nem cogite a possibilidade de levantar um pé ou vai perder o lugar. O mesmo para as mãos. Botou, colou e não ouse se mexer. Mas não se preocupe, na próxima estação outras pessoas entrarão e pode acreditar: será tanta gente que você não vai precisar se segurar, as pessoas farão isso pra você de bom grado.

Respirar é algo raro então tente sincronizar sua respiração com a das pessoas a sua volta. Quando expirarem, você aproveita o aperto pra inspirar e solte aproveitando a vaga quando eles inspiram. A cada estação aquela voz irritante vai te informar a estação que está chegando, a seguinte e para onde está indo. Não se sinta burro, apenas existem pessoas que não conseguem lembrar-se do caminho. Tá chegando na sua estação? Recomenda-se que vá se aproximando da porta pelo menos uma estação antes e fique o mais perto possível. Quando a porta abrir, prepare-se para a segunda guerra.

Se não tiver agilidade suficiente, apenas saia da frente dos outros ou será atropelado. Se quiser arriscar e acompanhar a massa, cuidado onde pisa, em quem pisa e para onde vai. Os riscos estão por todo lado, mas se estressar não vai valer a pena. Sair de casa mais cedo ou um bom dia para a pessoa ao seu lado pode resolver o problema. Aliados são sempre importantes para encarar os desafios dos meios de transporte da cidade, seja para segurar sua bolsa ou te manter de pé a cada parada.

25 abril 2014

Crônica Urbana I - T.I. Rio Doce


Recentemente reformado ou, seria melhor dizer, em uma reforma eterna, o terminal de Rio Doce não é muito conhecido fora do ciclo de usuários. Mas com toda a certeza alguém já ouviu falar das lendas Rio Doce/CDU, Rio Doce/Dois Irmãos, Rio Doce/Piedade e seu primo Rio Doce/Barra de Jangada. Os quatro ônibus que percorrem os caminhos mais longos desde o ponto de partida até o fim do mundo. Além das quatro estrelas, outras linhas circulam pelo local: Rio Doce/Princesa Isabel, sua linha direta com o metrô do Recife depois de fazer a curva sabe-se lá onde; Rio Doce/Príncipe te leva até o Derby, é logo ali, mas parece uma eternidade; Rio Doce/Conde da Boa Vista, você se pergunta porque não pegou outro; Rio Doce/Circular, você não sabe onde ele passa nem pra onde vai; Alameda Paulista/T.I. Rio Doce, não dá pra ver a parte de dentro do ônibus; Loteamento Conceição/Rio Doce (PE22), você pode estar na esquina, mas ao avistá-lo, aprende a voar pra chegar ao terminal antes dele ou cada fila ganhará mais 30 pessoas; Maria Farinha/Casa Caiada, o famoso da frase “toda hora cravada sai um… Saiu não? Espera mais uma hora.”

Apesar de estar em constante reforma, melhorias puderam ser observadas, como a colocação das lixeiras, reforma nos banheiros, organização das lojas e trajeto do ônibus dentro do terminal. Esse último ponto foi importantíssimo, afinal o congestionamento dentro do terminal às vezes chegava a ser pior do que lá fora. Quanto às lixeiras, falta apenas serem usadas, assim como o uso correto dos banheiros. Os usuários do terminal são mais do que simples pessoas que entram e saem, a demora em cada fila acaba transformando cada um em um amigo, companheiro de viagem e ocasional tortura. Lá dentro é quase uma selva, seus amigos acabam se tornando seus melhores aliados, aqueles que vão sempre ficar de olho quando você for comprar uma pipoca ou o cafezinho e não te deixarão perder o lugar na fila.

Um dos maiores problemas enfrentados é o sol. Não existe uma hora em que ele não incomode – há apenas horários em que incomoda de um lado e horas em que o outro lado sofre. A torra é garantida e quase perfeita, quanto a isso é sempre alegado que nada pode ser feito e, para azar de algumas pessoas, nem todas as linhas têm motoristas legais que colocam o ônibus em posição antes da hora da partida apenas para agraciá-las com uma sombra momentânea.

Não é bom confiar cegamente nos horários determinados para saída dos ônibus. Eles nunca funcionam. Talvez esteja certo duas vezes ao dia, mas apenas isso. Linhas como Rio Doce/CDU da empresa Caxangá, é o com maior saída nos horários de pico, chega a um intervalo médio de seis minutos. Já o Rio Doce/Piedade ou Barra de Jangada, o intervalo pode chegar a 20 minutos. O Maria Farinha/Casa Caiada então, é melhor sentar. Ônibus dessa linha chega a demorar mais de uma hora para a saída do próximo.

Vale o lembrete de tomar cuidado com a catraca de entrada e saída. São antiquadas, mas cumprem seu papel. Se estiver na fila para entrada, não fique muito próximo ou ganhará um belo hematoma, mas também não fique distante ou perderá facilmente o lugar. Por mais estranho que pareça, você coloca o dinheiro da passagem ou o cartão VEM pela pequena brecha entre os vidros. Não se preocupe, tem alguém lá para recebê-los (por mais que demore às vezes, principalmente para passar o troco).

Para sua comodidade, lá dentro você encontra as lojas, onde você pode tomar o café da manhã (não muito saudável) ou recarregar o seu VEM, além de outras comodidades como recarga de celular e o passatempo da viagem, famoso pipocão – ainda custa R$ 0,60. Jornaleiros identificados circulam no local constantemente, vendendo o melhor companheiro dos usuários de uma das quatro lendas: O AquiPE. Também tem a opção da Revista da TV e do Diario de Pernambuco. Ao abrir o jornal apenas lembre-se de que a pessoa sentada ao seu lado pode não querer ler.

Por fim, o terminal possui uma boa localização para os moradores da região e estruturalmente ele segue atendendo a demanda. Seu maior problema também é o problema de toda a cidade: a reduzida frota de ônibus disponível para tamanha quantidade de usuários. Um problema extra, se é que podemos chamar assim, é facilmente identificado como a individualidade humana e falta de cordialidade. Dentro daquela selva é melhor não se distrair ou você pode parar facilmente no fim da fila.


Essa minha crônica foi postada no Jornal de Olinda *-* (clica que vai).
 

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