04 outubro 2013

Seu...


"Eu tava só, sozinho..."

Eu sempre fui do tipo sozinho. Nunca tive muitos amigos e nem se quer conhecidos. Os vizinhos me chamam de “aquele cara de cabelo comprido da casa verde” e não precisavam saber de mais nada sobre mim. Muito menos que fui abandonado e por isso estava agora nessa cidade de merda, com um emprego medíocre e sozinho. Sem parentes ou amigos para me aturar enquanto choro minhas pitangas.

O que eu tinha mais próximo do que chamam de amigo era o Carlos, paulista perdido nos confins do nordeste, sozinho, mau humorado e anti social como eu. Às vezes saíamos para beber. Eram dias bons, sentávamos no bar, pedíamos uma cerveja cada e ficávamos soltando fumaça e dando goles na boca da garrafa enquanto olhávamos a rua, as pessoas que passavam, expressões e roupas estranhas. Assim íamos noite a dentro, as vezes até amanhecer. Conversar? Para que?

Show da minha banda favorita? Não fui. Desfile de gostosas de lingerie na TV? Mudei de canal. Apresentação de um circo famoso lá? Lembrei de você e desliguei a TV. Nada me interessava nem chamava atenção e quando percebi, já era noite, a sala estava escura e o meu estômago roncando. Fui até a cozinha arrastando os chinelos e lembro de você reclamando disso. Ligo a cafeteira e lembro de você reclamando do café requentado. Pego um copo e lembro de você reclamando por não usar xícaras. E mesmo com tanta reclamação, eu sentia sua falta.

A noite chegou e foi embora sem que eu desse a mínima para ela, o mesmo aconteceu com o dia seguinte e o próximo e o próximo. Passava na frente da porta com um sanduíche a meio caminho da boca quando notei toda a correspondência acumulada no tapete. Querendo ou não precisava conferir isso, afinal, se não pagasse a luz ou o gás teria sérios problemas para pedir e requentar a pizza. Comecei a separar as correspondências nas pilhas de sempre. Lixo, lixo, vale a pena olhar, lixo, conta, vale a pena, lixo, lixo, conta, conta, conta. Um sobressalto e senti como se o mundo tivesse parado por um breve segundo.

Nem precisei pensar muito para saber quem em sã consciência ainda enviava telegramas. Não me interessava onde você estava dessa vez, Aracajú, Alabama, Japão. Seja lá o lugar em que estivesse, não era ao meu lado. Fui dormir com as suas palavras, que apesar de escritas, eu conseguia ouvir claramente naquela sua voz doce e suave cheia de sotaques dos lugares por onde passava “volto logo”. Fui dormir na cama, como não fazia a semanas e tenho certeza de que peguei no sono sorrindo e foi assim que acordei.

Saltei da cama assim que vi a claridade por entre as cortinas, tomei um banho e assoviava enquanto fechava o portão. Dava um pequeno salto para descer a calçada e caminhava com as mãos no bolso. Dava bom dia a todos que encontrava e me divertia com seu espanto. Passava na frente da delegacia e arrancava algumas pequenas flores do canteiro, acabei esbarrando no delegado e lhe estendi as flores, quase levei uma sova e fiz uma nota mental pra te contar isso depois. Nem esperei pela continuação das reclamações dele e desci a rua até a padaria.

Aquele cheirinho de pão fresco me fez salivar. Com todos os dentes a mostra desejei um bom dia, recebi os pães da mão enfarinhada do seu Manoel. “O amor é lindo seu Manoel” murmurei enquanto lhe pegava as mãos e depositava um beijo “E a vida é bela” continuei falando enquanto ia até o caixa, deixando o troco na caixinha de natal para a alegria da atendente. Comi, arrumei a casa, tomei outro banho. Durante os dias seguintes eu fiz compras, reabasteci a casa, lavei os lençóis e finalmente ouvi o anúncio. Te veria esta noite.

Coloquei a camisa de flanela que ficava linda em você depois de uma noite ao seu lado, já com óbvias más intenções. Uma calça preta, tênis e quando notei estava sentado ao lado de várias pessoas esperando. E esperei pacientemente até ver o holofote aceso no picadeiro e o mestre de cerimônias fazer a introdução, vi leões, cachorros, palhaços e finalmente você. Acompanhei deslumbrado você descer lentamente pelo longo tecido, enroscar-se e descer quase em queda livre, sorrir e acenar.

Senti seu olhar sobre o meu, fiz um aceno com a cabeça e te esperei na saída. Não consigo imaginar como cabe tanta alegria em um só peito, quando abri os olhos e te vi sobre meu corpo usando a minha camisa. E foi assim todas as noites até que você foi embora novamente. Não te pedi para ficar como implorei da outra vez. Sabia que você era assim, gostava de ser livre, mas no fim sempre volta para mim.



Atenção: Essa crônica faz parte do meu projeto Aquela Música que é composto por crônicas inspiradas em músicas. -Seu- foi escrita inspirada na música Telegrama interpretada por Zeca Baleiro.

02 outubro 2013

Alguém...



"...Um outro alguém que me tomou o seu amor."

Eu podia ouvir o som dos seus passos ao longe, rápidos e curtos. Sempre ficavam mais lentos quando se aproximava da porta de vidro. Acompanhava então seus movimentos, arrumar a franja que teimava em lhe cobrir os olhos, arrumar a alça da bolsa sobre o ombro direito, enfiar os dedos nos passadores da calça para puxá-la levemente para cima, passar as mãos sobre a barriga de forma a alinhar a blusa e finalmente entrava. Acenos e sorrisos para todos. Cumprimentos lentos até chegar a sua mesa, onde não precisava virar a cabeça para te olhar. Bastava apenas me inclinar um pouco para o lado e visualizar-te por trás do monitor do meu computador.

Todos os dias eu assistia seu ritual desejando dolorosamente ter estado ao teu lado enquanto você decidia que blusa combinava melhor com a calça azul que você usava hoje ou quem sabe que perfume deveria usar. Esse eu faria questão de sentir dando um leve suspiro em sua nuca. Hoje você parecia inquieta, mordia a borracha do lápis, balançava os pés, olhava de um lado para o outro, como se esperasse algo ou seria alguém? Torcia para não ser a segunda opção. No almoço, dava um jeito de sentar na mesma mesa que você. Nunca tinha coragem de puxar assunto, não foi diferente dessa vez. Engoli o almoço e murmurei uma desculpa de que tinha muita coisa para fazer.

Dessa vez, finalmente tomei coragem e lá estava sobre sua mesa uma simples rosa vermelha, o cartão anônimo levou horas e horas para que eu conseguisse escrever uma simples frase “Sempre à seus olhos”. Será que assim você entenderia que eu estava aqui, bem na sua frente, ansiando por um simples olhar? Um sorriso que fosse dedicado apenas para mim? Meu coração batia mais rápido do que seus passos. Meus olhos seguiam seus movimentos que pareciam executados em câmera lenta. Quanto tempo mais você levaria para chegar a sua mesa? Podia ver seu olhar intrigado sobre a rosa, o brilho que ele exibia, seu toque suave nas pétalas e enquanto você lia o cartão eu suava frio. Sua cabeça movimentava-se na minha direção.

Agora você sorriria para mim, eu sorriria de volta e ergueria os ombros, como se não fosse nada de mais. Andaria até você, te chamaria para um café onde conversaríamos finalmente sobre outra coisa que não planilhas e prazos, te deixaria em casa e no outro dia almoçaríamos juntos, quem sabe um cinema no fim de semana, um jantar, o que nos levaria ao próximo passo e ao seguinte e finalmente te teria em meus braços e a primeira coisa que eu veria ao acordar pelo resto da minha vida seria você.

Então tudo mudou. Enquanto você sentava-se e pegava o telefone, sorria enquanto conversava com alguém, podia ver sua face corar enquanto cheirava a rosa. Sou chamado para uma reunião e não posso continuar com o meu plano. Quem sabe durante o almoço ainda funcione, só precisava de uma nova estratégia. No almoço você não estava e chegou atrasada. Seu sorriso era contagiante e nunca vi seus olhos brilhando dessa forma. O dia foi embora e outro começou, não perderia tempo dessa vez. Quando ouvi seus passos tratei de ficar logo de pé, te abordaria ainda fora do prédio.

Desabei sobre a cadeira junto com os estilhaços do meu coração quando te vi dando um beijo de despedida em outros lábios. Nas suas mãos, novas rosas. Podia pegar trechos de suas conversas com a ruiva que eu nem me lembrava do nome, aparentemente ele era seu novo namorado pelo qual você estava apaixonada a muito tempo e ele finalmente se declarara ao te mandar uma rosa. Foi então que eu entendi que a minha declaração foi usada em consideração de outro amor. Meu mundo caíra e nada mais importava. Não sei bem quanto tempo passou, se foram dias ou semanas fazendo os mesmos movimentos, os olhos fixos no computador, os fones de ouvido. Tudo para evitar te olhar e até mesmo te ouvir.

Chegava para um novo dia no trabalho com a dor dentro do peito e logo me espantei com a rosa sobre minha mesa e um cartão escrito “Para seus sorrisos”. Rapidamente olhei para você que estava mais do que distraída em mais um telefonema, olhei então em volta e pude ver aqueles olhos azuis e curiosos por baixo de um cabelo ruivo e vivo, a expressão que eu mesmo tinha a algumas semanas refletida ali: o nervosismo. Eu erguia a rosa e sorria, de forma sincera. Escrevi em um pequeno papel “Café as 16h?” e vi o sorriso crescer em seu rosto sardento e sem jeito balançar a cabeça de forma afirmativa. No fim, a rosa me deu alguém para amar.



Atenção: Essa crônica faz parte do meu projeto Aquela Música que é composto por crônicas inspiradas em músicas. -Alguém- foi escrita inspirada na música A Flor da banda Los Hermanos.
 

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